1.14.2014

Main Dish à conversa com Lady Inferno



Uma cidade nortenha, dois músicos, cerca de trinta lançamentos no conjunto dos dois. Uns mais a sério que outros, é certo, mas é a paixão honesta pela música que faz com que estes dois amigos se movam no mesmo sentido. Sim, estou a falar de mim na terceira pessoa, mas isso agora não interessa. Estou, também, a falar de João Tomé Pereira, conhecido no mundo musical como Lady Inferno, e amigo meu de longa data. Companheiro de discussões musicais, e não só, e, por vezes, conselheiros recíprocos de versões pré-lançamento dos nossos discos, quais produtores executivos da bedroom music. Havia uma ideia de fazermos uma entrevista um ao outro, já que ninguém quer saber de nós, mas nós queremos que o mundo nos entenda e temos a ânsia de ser ouvidos. Há também quem peça colaborações entre os dois, esquecendo-se, ou desconhecendo, que até temos uma banda com o grande Tiago Ferreira e o Manel Montenegro. Então decidimos publicar esta conversa informal, onde contamos um ao outro sobre os nossos próximos discos e sobre o que nos move na altura da criação musical.

Então puto, como é que vai esse novo cd?
Mais rápido do que estava à espera, maioritariamente instrumental, e vai ser dark e deep com vários momentos de claridade, mas essas são as curtinhas. Vou comprar um microfone depois do natal, para gravar vozes a sério, acho que só 3 musicas vão ter voz.

Eish, boa cena! Mas vai ser muito diferente do Grim Love e do Old Love?

Não demasiado diferente, acho que a vibe da Grim Love é muito parecida ao que tenho feito, mas depende das musicas também.

Tou a ver. É o meu favorito dos dois. Mas mais na onda da primeira ou da última?

Da 1ª, da Grim Love mesmo, dark e bassy. Não consigo não copiar descaradamente o Andy Stott. E o Burial, claro.

LOL, isso parece-me muito bem. E títulos, já tens alguma coisa pensada ou não queres revelar para já?

Não quero revelar para já, mas são uma cena mesmo importante para mim, por isso penso imenso neles logo de início. O facto de umas palavras serem o símbolo da música é vital, desde o Weakling que nenhum título é dado sem pensar mil horas sobre ele. E não gosto de os revelar cedo demais, mesmo quando te mando as "demos" vão só com números, mas mais recentemente tenho usado nomes de super herois para os encobrir, por razão aleatória. O working title do album é Aquaman.

LOOL. Ainda ontem estive a rever uns episódios de Entourage. Mas sim, acho que quando começamos a meter significados importantes para nós às músicas que fazemos, vemos que é assim que faz sentido, e as coisas acabam por sair muito mais naturalmente e o resultado final é muito mais recompensador.

Eu, o André e o Manel tamos a rever. Agora fala tu um pouco do Oneiric, quanto está feito?

O Oneiric está todo composto, só que falta afinar alguns pormenores porque quero que saia mesmo perfeito. E falta gravar algumas cenas de novo, principalmente as vozes. Quando está feito não sei, mas queria adiantar ao máximo nos próximos tempos.

Como vão ser as vozes?

Vão ser algo que não quero que se destaque demasiado, vão fazer parte do instrumental e serão só pequenas frases que penso que vão acrescentar cenas fixes em termos sonoros e também em termos de significado das músicas em si.

E vais ser só tu?

A cantar? Não queria, mas pra já vou gravá-las todas eu, e depois vou analisar a cena e decidir quais fazem mais sentido que fiquem com uma voz feminina, e depois tentar arranjar alguém para as cantar. Mas há algumas que vou ser eu, sim.

Eu também estou a pensar arranjar uma pessoa para cantar numa das musicas mais calminhas, mas é a musica menos desenvolvida que tenho para já, mas acho que podia ser bonito, porque vozes femininas é amor. Mas ainda nem gravei as minhas vozes e escrevi uma letra ainda só por isso penso nisso mais tarde. Mas continuando, eu achei o Este Inverno muito diferente do Insight, mais activo, menos abstracto. O Oneiric vai ser assim ou escolheste as mais assim para irem pro Este Inverno?

Algumas das músicas do Este Inverno faziam parte do Oneiric originalmente, como a Hope e a Derivada, mas depois surgiu-me um conceito novo que queria explorar e aproveitar, então escolhi que essas saíssem do álbum. A Derivada porque não encaixava assim muito bem no conceito do Oneiric, e a Hope porque encaixava perfeitamente na do Este Inverno... e assim acho que tenho uma tracklist para o álbum muito mais coesa e que mantém um nivel de qualidade mais elevado, na minha opinião. Em termos de sonoridade acho que não tem nada a ver com o Insight e muito mais a ver com o EP, mas mais elaborado se calhar... mas lá está, vieram da mesma altura e da mesma visão, por isso sim, tem muito a ver com o Este Inverno, e será tipo uma evolução desse som, ou continuação.

E se o EP dura tipo 12 minutos, quanto dura o álbum?

O álbum vai durar por volta de 35 minutos.

Óptimo, bem que precisavas de um lançamento com mais tempo. E mais ou menos quantas musicas?

Tenho 13 músicas neste momento, mas não tenho a certeza se ficarão todas. Ou até se terei mais alguma para incluir. Porque o álbum tem um conceito um bocado abrangente, e há sempre coisas que vão surgindo e acontecendo e que podem ser adicionadas, se realmente for caso para isso e se vier acrescentar alguma coisa à história que quero contar.

Ah, estás mesmo a fazer músicas maiores e tudo. O facto das músicas do Insight serem muito pequenas era influência do J Dilla, não é?

Sim! Era muito influencia do Donuts como espécie de mixtape, e aproveitei-me um bocado disso para criar o meu próprio estilo de “canção”.

Como é que hip hop e electrónica se metem na tua música?

Acho que esses dois géneros se vão notar muito mais no próximo álbum ao nível da parte rítmica só. Praticamente todas as músicas vão ter batidas feitas para serem dançadas, vá, e tento aproveitar muito conceitos que vêm do house, do hip-hop e do future garage, por exemplo, mas numa abordagem um pouco mais jazzy, talvez.

Wow, vai haver partes minimamente dançáveis?

Acho que a grande maioria. Das músicas que já lancei, acho que a música que mais se assemelha a essa direção é a Derivada. E tu, já que fazes música electrónica, que géneros e artistas te influenciam mais?

Há bocado falei do Burial e do Andy Stott, especialmente o Burial é a influência para todos os aspectos da minha vida. Em relação a este álbum também terá influências de Zomby, Pantha du Prince, Teebs, How to Dress Well, assim de repente. Mas Burial e Andy Stott são mesmo àquelas em que tenho estado mais focado, apetece-me imitá-los em todos os sentidos. Gostava de conseguir fazer techno limpinho e cristalino como o Pantha du Prince, mas acaba sempre por ficar muddy. Techno é mais complicado do que parece.

Pois, tá na hora de começares a usar o Ableton, não querendo voltar a chatear-te com isso...

Depois deste álbum, começo a brincar com isso.

Mas ya, Andy Stott e Burial estão lá em cima nesse tipo de música.

Tenho uma música nova que até me sinto mal em mandar porque é tão cópia, mas tá tão fixe, e faz sentido, por isso vou deixar, e, para além disso, têm um sample de lady gaga, por isso...

Lady Gaga... está bem. Eu tenho um de Kanye West.

O meu faz muito sentido, nem é muito para ornamentar música, é mais por aquilo que passa. Está pouco reconhecível também, mas pronto.

É como o meu, então. Eu ainda andei à procura doutro sample que passasse a mesma ideia, só que aquele soa tão bem... mas também se liga com o significado da melhor forma.

Temos de ver se não somos processados depois.

Espero que não... vindo do Kanye nunca se sabe. Mas lá está, o meu medo é exactamente esse, por isso é que queria arranjar outra coisa.

Não te preocupes, ele também samplou a vida toda.

Pois lá está, mas também levou com os seus processos em cima. Mas é uma cena mínima mesmo, também.

Eu samplo mil pessoas diferentes, filmes, entrevistas, musicas... Este album está cheio disso, mas tou seguro.

Que fixe! Estou mortinho por ouvir isso.

Espero não desiludir. Mas eu estou a gostar do que faço, mas como ainda só eu é que ouvi não sei dizer. Em breve mandar-te-ei o 1º rabisco do album.

Fixe. Eu até te mandava o meu, mas tá sem vozes e queria que ouvisses uma versão que as tivesse.

Ya, eu também quero gravar as vozes primeiro. E as tuas influências para o Oneiric em particular?

Não te sei dizer em concreto... acho que a parte das guitarras anda à volta do que há desde o Insight, tipo Disco Inferno, Durutti Column, Smiths, B Fachada... a minha maneira de tocar é que sofreu uma evolução muito grande desde então, mas acho que as influências nesse aspecto se mantiveram um bocado... deixaram de ser influências tão directas quanto eram porque desenvolvi uma cena mais particular minha, mas as bases são essas.

Acho que a maneira de tu tocares é mesmo única, apesar de tudo.

Em termos da parte rítmica acho que o Gerry Read, Mark Hollis e Flying Lotus são as influencias principais, e tento fazer uma espécie de mistura dos três na maioria das músicas, mas com sons organicos de bateria.

Ler Mark Hollis e Flying Lotus seguidos como influências de batidas é esquisito.
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Mark Hollis na "The Gift", Gerry Read na "Crawl", por exemplo… mas é injusto não referir também todo o house e future garage que sempre ouvi. Mas essas duas músicas foram especialmente influentes para definir aquilo que queria seguir. E no caso do Flying Lotus, todo o Los Angeles. E o Burial obviamente que é uma grande influencia porque foi ele que me empurrou para o future garage e o house, e as batidas andam muito à volta de conceitos que ele usava mais no início.

Se não fosse o Burial nenhum de nós tava aqui.

Verdades...

E, por falar nisso, lembro-me da última música do Teared Clouds, a Angel Range (melhor referência também) que era a imitá-lo. Como te sentes em relação a esses albuns e como se relacionam, se é que se relaciona de todo, com o Main Dish contemporâneo?

Acho que na altura em que o Insight era um embrião, o Teared Clouds ajudou-me um bocado a definir a minha forma de compor, porque gosto muito da Bulbiferum e da Running In Parks. E nessa altura lembro-me que achei que, no meio daquela salada de rock progressivo, havia aquelas duas músicas mais pop muito fixes... e acho que são as únicas que se relacionam com o que ando a fazer agora. Mas na altura não impunha significados às músicas como faço agora, era mais numa onda de explorar as minhas influências, nem fazia álbuns a pensar no todo em termos de sonoridade, andava um bocado a explorar tudo aquilo que gostava na altura, e acabava por os imitar um bocado, como nessa que referiste. Acho que o que tenho feito agora tem mais personalidade e é muito pessoal mesmo.

Belos tempos de fazer música no guitar pro... agora só de me pensar em "guitar" fico confuso. Talvez um dia volte a fazer música com guitarra, especialmente com dois albuns de electrónica deste ano tão bons que estão cheios de guitarra, o Engravings do Forest Swords e o Psychic dos Darkside.

Eu ainda começo pelo guitar pro, mas agora com o ableton ando-me a deixar disso aos poucos. Começo sempre por compor na guitarra, mas quero começar a fazer música electrónica em breve, por isso, isso pode deixar de acontecer com tanta frequência. Mas só vou pensar nisso quando o Oneiric estiver cá fora. Mas não me vejo a encostar a guitarra, quanto muito vou ter dois projectos em separado.

Ya, quero ouvir músicas tuas pro densefloor.

LOL

Ya, e fazes bem, eu é que sou preguiçoso. Até porque no Weakling, gosto muito das guitarras da Salmacis e da Weak Signals.

A Salmacis é das melhores músicas que já fizeste... e adoro a guitarra ali.

É post-rock... nunca mais fui para esses lados.

Não sei, mas a melodia é linda. Essa e a Always See Everything, melhores malhos.

Só gostas das mais pussy.

Já não sabes... o Oneiric é o álbum mais pussy de sempre.

Mas a tua música sempre foi muito sensível e bonita, isso é bom.

Sim, a tua tem-se tornado bastante mais escura e a minha mais colorida, mas continua a ter significados tristes a maior parte das vezes.

btw, vais achar piada a isto, pus vários samples de fábricas e garagens no novo album por causa de uma conversa qualquer no teu facebook.

LOL "máquinas a trabalhar"?

ya haha

Andy Stott forever.

sim

E agora para acabar, já que se fala outra vez em significados, o que tens a dizer sobre isso em relação às músicas que fazes? Há bocado disseste que desde o Weakling que pensas sempre imenso nos títulos e assim. Isso também me acontece desde o Insight, mas gostava de saber o que mudou e de que forma as tuas coisas pessoais têm influenciado a tua música.

Hm, o Weakling era basicamente 100% pessoal, sobre mim e como me relaciono com outras pessoas, sobre a fragilidade das relações, românticas, amizades e com os pais, muito sobre o medo do futuro etc. O Grim/Old lidou com cenas completamente diferentes, foi o raciocinar de imensos problemas mesmo interiores, mas lidando com eles de forma exterior. O novo continua aí, mas agora é um statement, estou a tentar transmitir mensagens (daí usar imensos samples de pessoas a falar em vez de ser eu cantar de forma pessoal) em vez de simplesmente ser sobre mim. Faço-te a mesma pergunta a ti, já agora.

Tou a ver... isso é fixe, era mais ou menos a ideia que tinha da tua música também. Tipo achei curioso o que disseste do Weakling, porque tinha uma ideia diferente, e não sabia que havia tanta semelhança entre isso e o Insight, que não é tanto sobre as cenas que referes, mas é 100% sobre mim, foi feito numa altura de descoberta pessoal e fala de algumas características minhas que fui descobrindo nessa altura e quis expressar nesse cd.

Que ideia tinhas?

Sabia que era sobre cenas tuas, mas não sobre ti em concreto...

Foi um álbum sobre relações, é basicamente isso. E agora o oneiric, é sobre quê?

O Oneiric é sobre relações, mas só amorosas, haha.

És o maior romântico que conheço, não esperava outra coisa (não digo isto de todo de forma negativa).

Aww. Fui aproveitando algumas coisas que me aconteceram nesse campo e me fizeram ficar num certo estado de espírito para criar aquelas músicas. Músicas sobre pessoas, sentimentos, coisas que me fizeram sentir... e outras foi simplesmente querer fazer uma música sobre aquilo, tipo a Last Year que é sobre o amor e as suas fases naturais. Por isso essa em especial consegue ser um bocado bipolar... Mas é a única.

Isso é um conceito fixe.

Espero que a música seja ainda mais fixe. Tem uma parte com violinos, tipo.

Tu e violinos, nunca pensei.

Pois... mas é só numa parte também, mas ficou mesmo bem ali.

Fixe

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