11.16.2013

Death Grips - Government Plates

Edição: 2013, Ed. Autor
Título: Government Plates
Classificação final: 10/10

Estamos em 2013: os tempos em que víamos uma figura associada ao rock como ícone máximo da nossa sociedade musical já não existem. As coisas mudaram, fruto da evolução dos tempos; o mundo já não é dominado pelas guitarras, são agora as panóplias electrónicas a assumirem esse estatuto, o que é compreensível – estamos perante uma constante evolução tecnológica, o que automaticamente permite que se abra mais espaço para a exploração sonora digital enquanto outras vertentes da música contemporânea se vão mostrando demasiado pouco originais e gastas (é o caso, sobretudo, do rock). E um subespaço dos campos electrónicos é, irreversivelmente, o hip-hop.

Não espanta, por isso, que hoje vejamos como ícone máximo da música a nível global a figura de Kanye West: tem uma discografia invejável e tem a atitude que qual estrela do género deve ter (ao ponto de escrever canções intitulada “I Am a God”). Yeezus, o álbum do rapper norte-americano que foi editado durante o verão e que mereceu elogios de tudo o que é sítio, porém, não conseguiu ser simplesmente mais um álbum de Kanye (e sim, foi o melhor LP da sua discografia): Yeezus confirmou o triunfo dos Death Grips, confirmou que os novos caminhos do hip-hop apontam para abraços à techno, à noise, à industrial, ou seja, à evolução da engenharia sónica a que temos vindo a assistir.

Os Death Grips não podiam ter uma prova melhor em como o seu trabalho estava a ser bem feito do que um álbum de Kanye West onde este, por tudo o que já foi dito, descarrega nitidamente influências dos seus trabalhos. Talvez por isso – não, não mesmo -, se tenham apressado na surpreendente edição de Government Plates, sem que ninguém estivesse à espera que se pudesse ouvir um disco seu em 2013. A priori, não sabíamos muito bem o que esperar de um novo disco de Death Grips, sobretudo quando o single “No Birds” nos norteava para uns Death Grips mais esquizofrénicos, mas menos violentos e com trabalhos de guitarra à mistura. A posteriori, concluímos que a nossa intuição a priori estava certa: depois de dez audições de Government Plates ainda não sabemos muito bem para que lado se viram, em cada música, os Death Grips.

Quando comecei a escutar música, mesmo música, comecei por ler reviews de alguns álbuns para saber o que ouvir. Lembro-me de ler uma crítica ao Unknown Pleasures, dos Joy Division, onde se dizia algo como “ouvir uma música dos Joy Division é como levar um murro num estômago vazio”. Hoje digo que nenhum outro nome me dá esta sensação como os Death Grips; a música é inóspita, as letras são cruéis e as suas atmosferas são autênticas.

Vamos directos ao assunto: Government Plates é, de longe, o melhor disco do trio composto por Zach Hill, MC Ride e Flatlander. Os arrojos techno estão mais violentos e fazem com que não se dê apenas uma fusão com o hip-hop; mais do que nunca este é um disco que se tenta esquivar timidamente do hip-hop e que se vê/ouve mais como um disco de electrónica onde aparece “um gajo a berrar”, como já alguém disse. É legítimo que se diga isso e que se olhe para o disco sob esse prisma, porém se olharmos para ele assim também pecamos por insuficiência e incompreensão do que aqui se faz.

You Might Think (…)” (não vou escrever o nome da canção toda porque tem 27 palavras) elucida-nos que este é possivelmente o disco mais noise dos Death Grips. Dito e feito, e nem mesmo as ambiências de guitarra de “No Birds” nos fazem esquecer a ambiência simplesmente inóspita de Government Plates: até o seu desfecho, com “Whatever I Want (Fuck Who’s Watching)”, nos parece fazer os ouvidos quererem sangrar. A qualidade das métricas asseguram que o flow de MC Ride é, absolutamente, vertiginoso e medonho e que é, sobretudo, no espectro social e político da sociedade que mais existe inspiração para a escrita das sus canções. As batidas de Zach Hill explicam o porquê de ser um dos melhores bateristas de sempre da noise rock, onde figurou em nomes como Hella. Quanto a Flatlander, o responsável pelos teclados e sintetizadores, o triunfo de Government Plates é sobretudo o seu triunfo: nota-se que a sua importância na génese musical foi maior do que na primeira mixtape do trio, do que em The Money Store ou que em No Love Deep Web – trabalho da banda em que esta seguiu mais a sua linhagem.

No fim de contas, o que aqui existe é uma obra-prima como já não tínhamos há algum tempo. Government Plates é um álbum perfeito com duas mãos cheias de canções perfeitas e duas canções quase perfeitas: “Anne Boy” e “Big House”. Se 2011 foi o ano do aparecimento, 2012 o ano da afirmação, 2013, à partida, tinha potencial para não ser nada; a história inverteu-se, 2013 é, inesperadamente, o ano dos Death Grips e da confirmação que o hip-hop fundido com as panóplias electrónicas mais pesadas é o seu novo porto: ainda bem.

Numa era em que a indústria musical é totalmente dominada pelas estratégias de marketing que uma dada banda tem (exemplos: Daft Punk, Boards of Canada ou Arcade Fire), os Death Grips recusam tê-las e preferem, ao invés, chocar as pessoas: colocam imagens de pénis como capas de álbum, agendam dois concertos no mesmo dia para num aparecerem e noutro colocarem o Windows media player a reproduzir músicas suas quanto se projecta a sua caixa de e-mail com mails de suicidas ou preferem simplesmente surpreender meio mundo sem que nada o previsse. Talvez sejam mesmo uma banda completamente à parte de todas as outras, talvez sejam mesmo passados dos cornos, talvez só queiram mesmo fazer música e se estejam a cagar para tudo o resto: para o dinheiro, pessoas ou para aquilo que é ou não conceptual. Porém, são autênticos e sempre disseram «Music drifts I have no home // Choose this life you're on your own»: têm toda a razão.

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