Edição: 2013, Ed. Autor
Título: Government
Plates
Classificação final: 10/10
Estamos em 2013: os tempos em que víamos uma figura associada
ao rock como ícone máximo da nossa
sociedade musical já não existem. As coisas mudaram, fruto da evolução dos
tempos; o mundo já não é dominado pelas guitarras, são agora as panóplias
electrónicas a assumirem esse estatuto, o que é compreensível – estamos perante
uma constante evolução tecnológica, o que automaticamente permite que se abra
mais espaço para a exploração sonora digital enquanto outras vertentes da
música contemporânea se vão mostrando demasiado pouco originais e gastas (é o
caso, sobretudo, do rock). E um subespaço
dos campos electrónicos é, irreversivelmente, o hip-hop.
Não espanta, por isso, que hoje vejamos como ícone máximo da
música a nível global a figura de Kanye
West: tem uma discografia invejável e tem a atitude que qual estrela do
género deve ter (ao ponto de escrever canções intitulada “I Am a God”). Yeezus, o álbum do rapper
norte-americano que foi editado durante o verão e que mereceu elogios de tudo o
que é sítio, porém, não conseguiu ser simplesmente mais um álbum de Kanye (e sim, foi o melhor LP da sua
discografia): Yeezus confirmou o
triunfo dos Death Grips, confirmou que os novos caminhos do hip-hop apontam para abraços à techno, à noise, à industrial, ou
seja, à evolução da engenharia sónica a que temos vindo a assistir.
Os Death Grips não podiam ter uma prova
melhor em como o seu trabalho estava a ser bem feito do que um álbum de Kanye West onde este, por tudo o que já
foi dito, descarrega nitidamente influências dos seus trabalhos. Talvez por
isso – não, não mesmo -, se tenham apressado na surpreendente edição de Government Plates, sem que ninguém
estivesse à espera que se pudesse ouvir um disco seu em 2013. A priori, não sabíamos muito bem o que
esperar de um novo disco de Death Grips, sobretudo quando o single “No Birds” nos norteava para uns Death
Grips mais esquizofrénicos, mas menos violentos e com trabalhos de
guitarra à mistura. A posteriori,
concluímos que a nossa intuição a priori
estava certa: depois de dez audições de Government
Plates ainda não sabemos muito bem para que lado se viram, em cada música,
os Death
Grips.
Quando comecei a escutar música, mesmo música, comecei por
ler reviews de alguns álbuns para
saber o que ouvir. Lembro-me de ler uma crítica ao Unknown Pleasures, dos Joy Division, onde se dizia algo
como “ouvir uma música dos Joy Division é como levar um murro num
estômago vazio”. Hoje digo que nenhum outro nome me dá esta sensação como
os Death
Grips; a música é inóspita, as letras são cruéis e as suas atmosferas
são autênticas.
Vamos directos ao assunto: Government Plates é, de longe, o melhor disco do trio composto por
Zach Hill, MC Ride e Flatlander. Os arrojos techno
estão mais violentos e fazem com que não se dê apenas uma fusão com o hip-hop; mais do que nunca este é um
disco que se tenta esquivar timidamente do hip-hop e que se vê/ouve mais como
um disco de electrónica onde aparece “um
gajo a berrar”, como já alguém disse. É legítimo que se diga isso e que se
olhe para o disco sob esse prisma, porém se olharmos para ele assim também
pecamos por insuficiência e incompreensão do que aqui se faz.
“You Might Think (…)”
(não vou escrever o nome da canção toda porque tem 27 palavras) elucida-nos que
este é possivelmente o disco mais noise dos Death Grips. Dito e
feito, e nem mesmo as ambiências de guitarra de “No Birds” nos fazem esquecer a
ambiência simplesmente inóspita de Government
Plates: até o seu desfecho, com “Whatever
I Want (Fuck Who’s Watching)”, nos parece fazer os ouvidos quererem
sangrar. A qualidade das métricas asseguram que o flow de MC Ride é, absolutamente, vertiginoso e medonho e que é,
sobretudo, no espectro social e político da sociedade que mais existe
inspiração para a escrita das sus canções. As batidas de Zach Hill explicam o
porquê de ser um dos melhores bateristas de sempre da noise rock, onde figurou em nomes como Hella. Quanto a Flatlander,
o responsável pelos teclados e sintetizadores, o triunfo de Government Plates é sobretudo o seu
triunfo: nota-se que a sua importância na génese musical foi maior do que na
primeira mixtape do trio, do que em The Money Store ou que em No Love Deep Web – trabalho da banda em
que esta seguiu mais a sua linhagem.
No fim de contas, o que aqui existe é uma obra-prima como já
não tínhamos há algum tempo. Government
Plates é um álbum perfeito com duas mãos cheias de canções perfeitas e duas
canções quase perfeitas: “Anne Boy” e “Big House”. Se 2011 foi o ano do
aparecimento, 2012 o ano da afirmação, 2013, à partida, tinha potencial para
não ser nada; a história inverteu-se, 2013 é, inesperadamente, o ano dos Death
Grips e da confirmação que o hip-hop
fundido com as panóplias electrónicas mais pesadas é o seu novo porto: ainda
bem.
Numa era em que a indústria musical é totalmente dominada
pelas estratégias de marketing que uma dada banda tem (exemplos: Daft
Punk, Boards of Canada ou Arcade Fire), os Death
Grips recusam tê-las e preferem, ao invés, chocar as pessoas: colocam
imagens de pénis como capas de álbum, agendam dois concertos no mesmo dia para
num aparecerem e noutro colocarem o Windows
media player a reproduzir músicas suas quanto se projecta a sua caixa de
e-mail com mails de suicidas ou preferem simplesmente surpreender meio mundo
sem que nada o previsse. Talvez sejam mesmo uma banda completamente à parte de
todas as outras, talvez sejam mesmo passados dos cornos, talvez só queiram
mesmo fazer música e se estejam a cagar para tudo o resto: para o dinheiro,
pessoas ou para aquilo que é ou não conceptual. Porém, são autênticos e sempre
disseram «Music drifts I have no home // Choose this life you're on your own»: têm toda
a razão.
Sem comentários:
Enviar um comentário