Este foi talvez o ano em que estive mais indeciso para
ir a este festival. Com um cartaz menos apelativo, para mim, do que em anos
anteriores e com o aborrecido cancelamento de uma das suas bandas mais fortes,
estive mesmo para não ir. Mas em boa hora decidi pelo contrário: o chamamento
daquela terra divina foi mais forte do que a falta de bandas que me puxassem
verdadeiramente a ir, mas ainda assim fui surpreendido por vários nomes que
desconhecia, provando que o cartaz tem sempre qualidade e que as bandas são escolhidas
a dedo pela fantástica organização. O orçamento tem sido notoriamente mais
reduzido de edição para edição, mas agora com um patrocínio novo, que parece
querer investir a sério num dos eventos mais icónicos e históricos do país,
vejo que as coisas podem mudar um pouco no futuro. Para quem nunca teve a oportunidade de ir a
Paredes de Coura, fiquem a saber que, por muita qualidade que estes tenham,
este é um festival de música que vai muito mais além do que os concertos. Como
diziam slogans anteriores, é "Mais que um festival... uma semana de
férias". E é verdade. Já toda a gente sabe que tem a melhor localização de
sempre, o melhor ambiente e as melhores pessoas. O melhor rio, a melhor vila. E
continua a ter a melhor organização, que este ano esteve ainda melhor.
Quelle Dead Gazelle |
Por falar em vila e em coisas que estão além dos
concertos, as festas de Paredes de Coura são realizadas nos dias anteriores aos do festival, sendo isto uma espécie de bónus, ou aquecimento, para quem gosta de ir mais
cedo (isso e arranjar um lugar decente para montar a tenda). São alguns dias de
animação e de preparação para o que virá a seguir. Houve concertos gratuitos
para todos os gostos: desde stoner rock a pimba, passando por uma banda que fez
lembrar os saudosos White Stripes, e culminando num dos melhores concertos que
vi durante estes dias, o dos Quelle Dead Gazelle. Havia expectativas elevadas para este
duo lisboeta, mas foram largamente ultrapassadas mal se ouviram os
primeiros acordes dissonantes. Soava a Battles e a post-rock, numa ligação matemática muito
rigorosa e cheia de ideias fresquíssimas, principalmente quando vistas dentro do panorama nacional.
Bandas destas são o que mais faz falta por cá, deixem lá os Explosions in the
Sky em paz por favor.
Falando agora um pouco das melhorias que a Vodafone nos proporcionou, tenho de começar pelos autocarros que faziam a viagem acampamento-vila. Sim, aquela rampa é das coisas mais desmotivadoras para quem só precisa de ir comprar uma garrafa de água, e o Intermarché ainda é longe. Mas agora tudo se torna mais fácil, ainda que com lugares um pouco limitados de mais, mas é de esperar que, para o ano, as coisas levem um upgrade nesse aspecto. Depois, penso que pela primeira vez na história do festival, tivemos direito a brindes. Sim! É verdade, o Paredes de Coura é o novo Optimus Alive. Não, muito pelo contrário. Aqui não eramos obrigados a fazer coisas parvas para os ganhar. Bastou estar descansadinho à beira do rio para ir recebendo gelados, um saco fixe, um lenço fresquíssimo que servia para afastar as moscas que este ano teimavam em chatear o pessoal que queria dormir à beira do rio, e até o Jornal de Notícias do dia. Até poltronas em forma de bóia nos deram. Ou seja, foram brindes escolhidos a dedo e não poderiam fazer mais sentido no contexto em que se inseriram. Se continuar a haver esta sensibilidade na escolha, estas pequenas ofertas são algo que deve continuar a existir em edições futuras. Isso e as Vodafone Music Sessions, em que deram a oportunidade a um número bastante limitado de pessoas de ir ver um concerto secreto num sítio ainda mais misterioso, mas extremamente bonito, que nos levou um pouco fora dos locais habituais de Paredes de Coura, mostrando assim que há imensos sítios lindíssimos por explorar naquela zona. A mim calhou-me ver os Citizens!, banda que iria tocar mais tarde no palco secundário. Uma experiência diferente e bonita que me ajudou a escolher a hora a que depois iria jantar.
Sensible Soccers |
Mas começando pelo primeiro dia oficial de
concertos, o festival abre as hostes com um dia 100% português, com Tape Junk,
que está longe de ser a minha cena. O Bisonte é uma banda de rock sem merdas,
muito directo e bem executado, mas que tenta demasiado ser mais do que aquilo que realmente é. Falham mesmo muito naquilo em que se chama bom senso.
Demasiada arrogância para uma banda que nem é assim nada de especial. Mas tudo bem, faz parte, é preciso chamar a atenção de alguma maneira quando os argumentos falham. Qual
é a moda de insultar (e cuspir para) o vosso público? Já os Everything
Everything fizeram o mesmo, de longe a banda mais fraca do festival. No entanto, O
Bisonte consegue ter músicas bastante boas, mas tem outras más e sem sabor, que no geral se
equilibram umas às outras num concerto mediano e que não me fará voltar a pagar
para os ver. Já os Sensible Soccers foram uma surpresa para mim, visto que já
tinha assistido a um concerto deles no Milhões de Festa, mas desta vez adorei
genuinamente. É preciso estar dentro daquele mood, é preciso apetecer ouvir
aquilo, é preciso, agora, ir ouvir um álbum. Depois o dia 14, que foi o pior de sempre,
começando com os Unknown Mortal Orchestra, que nem me lembro de ver, passando
pelo arrozal dos Alabama Shakes e culminando no reggae psicadélico
desinteressante dos Bombino. Nada de especial a apontar.
The Knife |
No terceiro dia, o primeiro com direito a palco
principal (já não era sem tempo, já estava a ser um bocado aborrecido haver
tanta gente num espaço tão reduzido), abriu esse mesmo palco uma banda horrível
chamada Everything Everything (bem tinha avisado disso o meu amigo Graça neste
mesmo blog). Entretanto, no palco secundário, os Widowspeak e os Veronica Falls
marcavam a presença habitual da onda Dream Pop no Paredes de Coura. Foi giro,
mas são bandas como estas que menos me atraem sempre que anunciadas, faz falta
algo de realmente novo e relevante nesta onda. Os Jagwar Ma começaram bem, mas depois
amansaram e tive que ir ver "o" Toy, que deu um concerto muito bom,
sem nunca ter medo de fazer um pouco de barulho a mais. The Vaccines
abstenho-me de comentar, Hot Chip é merda e The Knife são bons, mas pecam
demasiado por carregarem simplesmente no play. É preciso fazer também uma
referência aos NACO a banda do palco Jazz na Relva, que mostrou uma sonoridade
bastante interessante só com uma guitarra e um baixo, a fazer lembrar os
acordes jazz praticados no Post-Rock britânico dos anos 90. Não percam uma
oportunidade de os ver por aí.
Iceage |
Sem dúvida o dia mais forte do cartaz era aquele que
se seguia. A abrir com Noiserv, que é sempre uma mais valia em qualquer
festival português, dá sempre dos concertos mais interessantes e bonitos, seja
qual for a concorrência. Mostra como qualquer coisa é um instrumento, mostra
como uma só pessoa pode criar um som cheio ao vivo, riquíssimo em melodias e
pormenores. É um talento, sem dúvida, apesar de os discos dele não serem assim
tão chamativos. Ao vivo, é a não perder. São esses e os The Glockenwise, que
facilmente poderiam ser chamados de Arctic Monkeys portugueses, com a diferença de
darem bons concertos neste momento e de continuarem a fazer música. Os Peace mostram-nos uma atmosfera
post-punk até interessante, mas sem elementos que me cativassem demasiado. Ao
contrário do que viria a seguir, talvez o concerto do festival: os Iceage são
um autêntico monstro da intensidade, um portento do punk e do "pós",
do hardcore e também do seu "pós". Do emocional, do barulhento e do belo.
Indescritivelmente "cool" e absolutamente memorável. Seguem-se os The Horrors, que me
surpreenderam, mostrando que têm boas músicas, mas foi um concerto um pouco
apagado pela péssima qualidade de som (coisa que foi um problema durante vários
concertos a que assisti). Achei os Echo and the Bunnymen aborrecidos, tirando a
parte em que tocaram The Doors e outra banda fixe qualquer que não me lembro
agora do nome.
Black Bombaim |
Epá, Black Bombaim. Mais uma banda portuguesa que
deu um concerto excelente, a fazer corar 98% do Super Bock Super Rock (não fiz
as contas para a percentagem, mas só queria excluir os Queens of the Stone
Age). Que sonoridade, que qualidade, que concerto. Que último disco, isso sim.
Muito mais maduros e interessantes, vale muito a pena ouvir estes futuros
senhores da música portuguesa. Calexico era uma banda da qual não esperava nada
gostar, mas desconhecia a sua vertente mais latina que me fez lembrar uns Buena
Vista Social Club um pouco menos coesos, mas ainda assim interessante. Aquela
cover da Love Will Tear Us Apart bateu muito cá dentro, um dos momentos do festival. Saudades. Depois os
Bass Drum of Death são uma banda que não mostra nada de novo, mas como concerto
foi bastante fixe. Bom rock pujante, rápido e directo, dois ou três acordes mas
sempre a rasgar. E fechei o tasco com And So I Watch You From Afar, um concerto
bem fixe que apresentou um post-rock de abordagem mais progressiva e agressiva, mas com uma grande vertente emocional. Valeu a pena, apesar de não me dar vontade de ir ouvir em álbum.
Concluindo, mais uma edição grande do ainda maior Paredes de
Coura, mais uma semana que me faz querer ainda mais voltar áquele espaço,
áquela ambiência, áquelas pessoas, áquilo tudo. Só não percebe quem nunca foi,
e só os que percebem sabem o que os outros estão a perder.
Deves ir muito ao café au lait tu.
ResponderEliminarNão tanto como gostaria, mas porquê?
Eliminar