
Uma cidade nortenha, dois músicos,
cerca de trinta lançamentos no conjunto dos dois. Uns mais a sério que outros,
é certo, mas é a paixão honesta pela música que faz com que estes dois amigos
se movam no mesmo sentido. Sim, estou a falar de mim na terceira pessoa, mas
isso agora não interessa. Estou, também, a falar de João Tomé Pereira,
conhecido no mundo musical como Lady Inferno, e amigo meu de longa data.
Companheiro de discussões musicais, e não só, e, por vezes, conselheiros
recíprocos de versões pré-lançamento dos nossos discos, quais produtores
executivos da bedroom music. Havia uma ideia de fazermos uma entrevista um ao
outro, já que ninguém quer saber de nós, mas nós queremos que o mundo nos
entenda e temos a ânsia de ser ouvidos. Há também quem peça colaborações entre os dois, esquecendo-se, ou desconhecendo, que até temos uma banda com o grande Tiago Ferreira e o Manel Montenegro. Então decidimos publicar esta conversa
informal, onde contamos um ao outro sobre os nossos próximos discos e sobre o
que nos move na altura da criação musical.
Então puto, como é que vai esse novo cd?
Mais rápido do que estava à espera,
maioritariamente instrumental, e vai ser dark e deep com vários momentos de
claridade, mas essas são as curtinhas. Vou comprar um microfone depois do
natal, para gravar vozes a sério, acho que só 3 musicas vão ter voz.
Eish, boa cena! Mas vai ser muito
diferente do Grim Love e do Old Love?
Não demasiado diferente, acho que a vibe
da Grim Love é muito parecida ao que tenho feito, mas depende das musicas
também.
Tou a ver. É o meu favorito dos dois.
Mas mais na onda da primeira ou da última?
Da 1ª, da Grim Love mesmo, dark e bassy.
Não consigo não copiar descaradamente o Andy Stott. E o Burial, claro.
LOL, isso parece-me muito bem. E
títulos, já tens alguma coisa pensada ou não queres revelar para já?
Não quero revelar para já, mas são uma
cena mesmo importante para mim, por isso penso imenso neles logo de início. O
facto de umas palavras serem o símbolo da música é vital, desde o Weakling que
nenhum título é dado sem pensar mil horas sobre ele. E não gosto de os revelar
cedo demais, mesmo quando te mando as "demos" vão só com números, mas
mais recentemente tenho usado nomes de super herois para os encobrir, por razão
aleatória. O working title do album é Aquaman.
LOOL. Ainda ontem estive a rever uns
episódios de Entourage. Mas sim, acho que quando começamos a meter significados
importantes para nós às músicas que fazemos, vemos que é assim que faz sentido,
e as coisas acabam por sair muito mais naturalmente e o resultado final é muito
mais recompensador.
Eu, o André e o Manel tamos a rever. Agora
fala tu um pouco do Oneiric, quanto está feito?
O Oneiric está todo composto, só que falta afinar alguns pormenores porque
quero que saia mesmo perfeito. E falta gravar algumas cenas de novo,
principalmente as vozes. Quando está feito não sei, mas queria adiantar ao máximo
nos próximos tempos.
Como vão ser as vozes?
Vão ser algo que não quero que se
destaque demasiado, vão fazer parte do instrumental e serão só pequenas frases
que penso que vão acrescentar cenas fixes em termos sonoros e também em termos
de significado das músicas em si.
E vais ser só tu?
A cantar? Não queria, mas pra já vou
gravá-las todas eu, e depois vou analisar a cena e decidir quais fazem mais
sentido que fiquem com uma voz feminina, e depois tentar arranjar alguém para
as cantar. Mas há algumas que vou ser eu, sim.
Eu também estou a pensar arranjar uma
pessoa para cantar numa das musicas mais calminhas, mas é a musica menos
desenvolvida que tenho para já, mas acho que podia ser bonito, porque vozes
femininas é amor. Mas ainda nem gravei as minhas vozes e escrevi uma letra
ainda só por isso penso nisso mais tarde. Mas continuando, eu achei o Este Inverno
muito diferente do Insight, mais activo, menos abstracto. O Oneiric vai ser
assim ou escolheste as mais assim para irem pro Este Inverno?
Algumas das músicas do Este Inverno
faziam parte do Oneiric originalmente, como a Hope e a Derivada, mas depois
surgiu-me um conceito novo que queria explorar e aproveitar, então escolhi que
essas saíssem do álbum. A Derivada porque não encaixava assim muito bem no
conceito do Oneiric, e a Hope porque encaixava perfeitamente na do Este
Inverno... e assim acho que tenho uma tracklist para o álbum muito mais coesa e
que mantém um nivel de qualidade mais elevado, na minha opinião. Em termos de
sonoridade acho que não tem nada a ver com o Insight e muito mais a ver com o
EP, mas mais elaborado se calhar... mas lá está, vieram da mesma altura e da
mesma visão, por isso sim, tem muito a ver com o Este Inverno, e será tipo uma
evolução desse som, ou continuação.
E se o EP dura tipo 12 minutos, quanto
dura o álbum?
O álbum vai durar por volta de 35
minutos.
Óptimo, bem que precisavas de um
lançamento com mais tempo. E mais ou menos quantas musicas?
Tenho 13 músicas neste momento, mas não
tenho a certeza se ficarão todas. Ou até se terei mais alguma para incluir.
Porque o álbum tem um conceito um bocado abrangente, e há sempre coisas que vão
surgindo e acontecendo e que podem ser adicionadas, se realmente for caso para
isso e se vier acrescentar alguma coisa à história que quero contar.
Ah, estás mesmo a fazer músicas maiores
e tudo. O facto das músicas do Insight serem muito pequenas era influência do J
Dilla, não é?
Sim! Era muito influencia do Donuts como espécie de mixtape, e
aproveitei-me um bocado disso para criar o meu próprio estilo de “canção”.
Como é que hip hop e electrónica se
metem na tua música?
Acho que esses dois géneros se vão notar
muito mais no próximo álbum ao nível da parte rítmica só. Praticamente todas as
músicas vão ter batidas feitas para serem dançadas, vá, e tento aproveitar
muito conceitos que vêm do house, do hip-hop e do future garage, por exemplo,
mas numa abordagem um pouco mais jazzy, talvez.
Wow, vai haver partes minimamente dançáveis?
Acho que a grande maioria. Das músicas que já
lancei, acho que a música que mais se assemelha a essa direção é a Derivada. E
tu, já que fazes música electrónica, que géneros e artistas te influenciam
mais?
Há bocado falei do Burial e do Andy
Stott, especialmente o Burial é a influência para todos os aspectos da minha
vida. Em relação a este álbum também terá influências de Zomby, Pantha du Prince,
Teebs, How to Dress Well, assim de repente. Mas Burial e Andy Stott são mesmo
àquelas em que tenho estado mais focado, apetece-me imitá-los em todos os
sentidos. Gostava de conseguir fazer techno limpinho e cristalino como o Pantha
du Prince, mas acaba sempre por ficar muddy. Techno é mais complicado do que
parece.
Pois, tá na hora de começares a usar o
Ableton, não querendo voltar a chatear-te com isso...
Depois deste álbum, começo a brincar com
isso.
Mas ya, Andy Stott e Burial estão lá em
cima nesse tipo de música.
Tenho uma música nova que até me sinto
mal em mandar porque é tão cópia, mas tá tão fixe, e faz sentido, por isso vou
deixar, e, para além disso, têm um sample de lady gaga, por isso...
Lady Gaga... está bem. Eu tenho um de
Kanye West.
O meu faz muito sentido, nem é muito para
ornamentar música, é mais por aquilo que passa. Está pouco reconhecível também,
mas pronto.
É como o meu, então. Eu ainda andei à
procura doutro sample que passasse a mesma ideia, só que aquele soa tão bem...
mas também se liga com o significado da melhor forma.
Temos de ver se não somos processados
depois.
Espero que não... vindo do Kanye nunca se sabe. Mas lá está, o meu medo é
exactamente esse, por isso é que queria arranjar outra coisa.
Não te preocupes, ele também samplou a
vida toda.
Pois lá está, mas também levou com os
seus processos em cima. Mas é uma cena mínima mesmo, também.
Eu samplo mil pessoas diferentes,
filmes, entrevistas, musicas... Este album está cheio disso, mas tou seguro.
Que fixe! Estou mortinho por ouvir isso.
Espero não desiludir. Mas eu estou a
gostar do que faço, mas como ainda só eu é que ouvi não sei dizer. Em breve mandar-te-ei
o 1º rabisco do album.
Fixe. Eu até te mandava o meu, mas tá
sem vozes e queria que ouvisses uma versão que as tivesse.
Ya, eu também quero gravar as vozes
primeiro. E as tuas influências para o Oneiric em particular?
Não te sei dizer em concreto... acho que
a parte das guitarras anda à volta do que há desde o Insight, tipo Disco
Inferno, Durutti Column, Smiths, B Fachada... a minha maneira de tocar é que
sofreu uma evolução muito grande desde então, mas acho que as influências nesse
aspecto se mantiveram um bocado... deixaram de ser influências tão directas
quanto eram porque desenvolvi uma cena mais particular minha, mas as bases são
essas.
Acho que a maneira de tu tocares é mesmo
única, apesar de tudo.
Em termos da parte rítmica acho que o
Gerry Read, Mark Hollis e Flying Lotus são as influencias principais, e tento
fazer uma espécie de mistura dos três na maioria das músicas, mas com sons
organicos de bateria.
Ler Mark Hollis e Flying Lotus seguidos
como influências de batidas é esquisito.
·
Mark Hollis na "The Gift", Gerry
Read na "Crawl", por exemplo… mas é injusto não referir também todo o
house e future garage que sempre ouvi. Mas essas duas músicas foram
especialmente influentes para definir aquilo que queria seguir. E no caso do
Flying Lotus, todo o Los Angeles. E o Burial obviamente que é uma grande
influencia porque foi ele que me empurrou para o future garage e o house, e as
batidas andam muito à volta de conceitos que ele usava mais no início.
Se não fosse o Burial nenhum de nós tava
aqui.
Verdades...
E, por falar nisso, lembro-me da última
música do Teared Clouds, a Angel Range (melhor referência também) que era a
imitá-lo. Como te sentes em relação a esses albuns e como se relacionam, se é
que se relaciona de todo, com o Main Dish contemporâneo?
Acho que na altura em que o Insight era
um embrião, o Teared Clouds ajudou-me um bocado a definir a minha forma de
compor, porque gosto muito da Bulbiferum e da Running In Parks. E nessa altura
lembro-me que achei que, no meio daquela salada de rock progressivo, havia
aquelas duas músicas mais pop muito fixes... e acho que são as únicas que se
relacionam com o que ando a fazer agora. Mas na altura não impunha significados
às músicas como faço agora, era mais numa onda de explorar as minhas
influências, nem fazia álbuns a pensar no todo em termos de sonoridade, andava
um bocado a explorar tudo aquilo que gostava na altura, e acabava por os imitar
um bocado, como nessa que referiste. Acho que o que tenho feito agora tem mais
personalidade e é muito pessoal mesmo.
Belos tempos de fazer música no guitar
pro... agora só de me pensar em "guitar" fico confuso. Talvez um dia
volte a fazer música com guitarra, especialmente com dois albuns de electrónica
deste ano tão bons que estão cheios de guitarra, o Engravings do Forest Swords
e o Psychic dos Darkside.
Eu ainda começo pelo guitar pro, mas
agora com o ableton ando-me a deixar disso aos poucos. Começo sempre por compor
na guitarra, mas quero começar a fazer música electrónica em breve, por isso,
isso pode deixar de acontecer com tanta frequência. Mas só vou pensar nisso
quando o Oneiric estiver cá fora. Mas não me vejo a encostar a guitarra, quanto
muito vou ter dois projectos em separado.
Ya, quero ouvir músicas tuas pro
densefloor.
LOL
Ya, e fazes bem, eu é que sou preguiçoso.
Até porque no Weakling, gosto muito das guitarras da Salmacis e da Weak Signals.
A Salmacis é das melhores músicas que já
fizeste... e adoro a guitarra ali.
É post-rock... nunca mais fui para esses
lados.
Não sei, mas a melodia é linda. Essa e a
Always See Everything, melhores malhos.
Só gostas das mais pussy.
Já não sabes... o Oneiric é o álbum mais
pussy de sempre.
Mas a tua música sempre foi muito sensível
e bonita, isso é bom.
Sim, a tua tem-se tornado bastante mais
escura e a minha mais colorida, mas continua a ter significados tristes a maior
parte das vezes.
btw, vais achar piada a isto, pus vários
samples de fábricas e garagens no novo album por causa de uma conversa qualquer
no teu facebook.
LOL "máquinas a trabalhar"?
ya haha
Andy Stott forever.
sim
E agora para acabar, já que se fala outra vez em
significados, o que tens a dizer sobre isso em relação às músicas que fazes? Há
bocado disseste que desde o Weakling que pensas sempre imenso nos títulos e
assim. Isso também me acontece desde o Insight, mas gostava de saber o que
mudou e de que forma as tuas coisas pessoais têm influenciado a tua música.
Hm, o Weakling era basicamente 100%
pessoal, sobre mim e como me relaciono com outras pessoas, sobre a fragilidade
das relações, românticas, amizades e com os pais, muito sobre o medo do futuro
etc. O Grim/Old lidou com cenas completamente diferentes, foi o raciocinar de
imensos problemas mesmo interiores, mas lidando com eles de forma exterior. O
novo continua aí, mas agora é um statement, estou a tentar transmitir mensagens
(daí usar imensos samples de pessoas a falar em vez de ser eu cantar de forma
pessoal) em vez de simplesmente ser sobre mim. Faço-te a mesma pergunta a ti,
já agora.
Tou a ver... isso é fixe, era mais ou
menos a ideia que tinha da tua música também. Tipo achei curioso o que disseste
do Weakling, porque tinha uma ideia diferente, e não sabia que havia tanta
semelhança entre isso e o Insight, que não é tanto sobre as cenas que referes,
mas é 100% sobre mim, foi feito numa altura de descoberta pessoal e fala de
algumas características minhas que fui descobrindo nessa altura e quis expressar
nesse cd.
Que ideia tinhas?
Sabia que era sobre cenas tuas, mas não sobre ti em concreto...
Foi um álbum sobre relações, é
basicamente isso. E agora o oneiric, é sobre quê?
O Oneiric é sobre relações, mas só
amorosas, haha.
És o maior romântico que conheço, não
esperava outra coisa (não digo isto de todo de forma negativa).
Aww. Fui aproveitando algumas coisas que
me aconteceram nesse campo e me fizeram ficar num certo estado de espírito para
criar aquelas músicas. Músicas sobre pessoas, sentimentos, coisas que me
fizeram sentir... e outras foi simplesmente querer fazer uma música sobre
aquilo, tipo a Last Year que é sobre o amor e as suas fases naturais. Por isso
essa em especial consegue ser um bocado bipolar... Mas é a única.
Isso é um conceito fixe.
Espero que a música seja ainda mais fixe.
Tem uma parte com violinos, tipo.
Tu e violinos, nunca pensei.
Pois... mas é só numa parte também, mas ficou
mesmo bem ali.
Fixe
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