3.30.2013

Moonshake - Dirty & Divine (1996)



Quando se fala em discos de uma vida, falam-se em todos aqueles discos que nos moldaram a forma de como interpretar e sentir música na sua verdadeira acepção. Julgo que nesse campo nenhum outro disco me influenciou tanto como Dirty & Divine, longa-duração de uns senhores chamados Moonshake.

Estávamos na década de noventa, temporada que catapultou o fenómeno grunge e o alternative rock como símbolos maiores dessa geração cultural. Quase tudo o resto, assumindo o hiperbolismo mas perto de se esquivar à verdade, passou ao lado. A internet não era tão de fácil acesso como é hoje e os nomes que existiam num panorama mais underground acabavam por chegar a muito pouca gente; é aqui que podemos introduzir os Moonshake, quinteto britânico que se associa intimamente ao pioneirismo post-rock/shoegaze que despontou, exactamente, na década de noventa por terras de Sua Majestade e que nunca conseguiu ter um reconhecimento à medida do que merecia.

A sonoridade deste movimento prendia-se, e em muito, a uma vasta quantidade de abstracionismo e a guitarras com técnicas muito similares, porém instantaneamente reconhecíveis mesmo a ouvidos desprevenidos; neste mar de ouro surgiram nomes como Disco Inferno, Bark Psychosis, Hood ou Flying Saucer Attack. Porém, imagine-se, a banda mais única do movimento (e isto é apenas a minha opinião) foi, curiosamente, uma daquelas que menos reconhecimento teve – falamos, claro, dos Moonshake.

Se para alguns o absctraccionismo era parte da génese musical, para os Moonshake era o todo; é certo que a sua história prova-nos que não e que houve momentos no seu historial sobretudo marcados pelas ideologias post-punk, como ficou registado no também sublime Eva Luna, de 1992, o primeiro longa-duração da banda. Mas a partir daí, houve uma exploração de novos caminhos sonoros e houve, acima de tudo, uma divagação estética pelo seu próprio sim; os exageros na experimentação sobressaíam e ainda hoje não tive sequer coragem de ouvir na íntegra The Sound Your Eyes Can Follow, de 1994, o registo que se adivinha como o mais experimental da banda. Pelo meio houve Big Good Angel, 1993, e já aí se sentia a necessidade de a banda de David Callaham devanear por novos horizontes. A maturação consolidou-se, efectivamente, quatro anos depois da estreia nos lp’s, com Dirty & Divine, lançado em 1996.



Dirty & Divine não é propriamente o disco mais apelativo de sempre, nem o poderia ser; o seu conceito aquando da sua edificação jamais passaria por torná-lo acessível a gregos e troianos – percebemos logo isso na primeira faixa, intitulada Exotic Siren Song. É aí que começamos a perceber que este disco demora a ser percebido e foge a rótulos; se outrora era possível a comparação da arquitectura sonora dos Moonshake, à la Eva Luna, à dos Disco Inferno, à la Technicolour, por exemplo (se bem que os samples de Ian Crause traçam uma barreira), aqui essa ideia é brutalmente aniquilada. Trata-se de um disco mais envolvente, ambiental e menos preocupado nas texturas noise, se bem que elas por lá continuam a estar porém menos luzentes e a necessitar de uma maior exumação para que consigam ser encontradas.

A imprevisibilidade da sonoridade patenteada em Dirty & Divine é outro dos focos que mais o tornam único; se a percussão mantém o estilo militar das rectóricas do post-punk de Eva Luna herdado de bandas como Joy Division ou Bahaus, tudo o resto é completamente renovado e, além disso, inovado: existem por lá réstias de jazz, as guitarras emudecem-me se outrora quando chamadas a intervir desempenhavam um estilo intimamente noise, agora ficam-se pelas ambiências e passam completamente para segundo plano na génese sonora. E a vertente electrónica acaba por ser aqui o principal catalisador para que o quinteto esculpa peças musicais como Aqualisa, Gambler’s Blues ou Nothing But Time. Pelo alinhamento do registo existem também as memoráveis House On Fire ou Hard Candy, mas é na última faixa do Dirty & Divine que este disco ganha uma dimensão platónica.

The Taboo é possivelmente uma das melhores músicas de sempre que já ouvi (como, de resto, este álbum é); o perfil idiossincrático e único de Dirty & Divine atinge aqui o seu paroxismo – a hipnose que aqui nos é dissertada pela panóplia instrumental é tremenda: um loop ininuterrupto ao longo de todos os seus cinco minutos enquanto David Callaham despe-se na mestria lírica como até aqui não tínhamos visto. E a verdade é que excessivamente fácil que a passagem “If I were to be really careful, / and take pride in everything I do, / I would show you what ‘really’ is – / and I can’t, ‘cos it’s taboo. If I were to show you how I feel, / would you call me blue? / If we could reach out and touch each other? / But we can’t, ‘cos it’s taboo.” se vista e acomode nos nossos ouvidos por uma imensidade de tempo.


Em suma, Dirty & Divine pode não ser, efectivamente, o melhor disco de sempre. Porém, é certamente um dos mais únicos que existe. Esta sonoridade não se ouve em mais lado nenhum a não ser aqui – e esqueçam tudo se querem procurar dentro dos próprios Moonshake um som com este; ele simplesmente não existe. Foi todo despejado aqui, nesta quarentena de minutos, que, na verdade, tem a duração de uma vida. Vida que se foi, ditada pelo tempo, esse que tanto suga, mas que não consegue sugar aquilo que foi feito para ficar e jazer para toda a eternidade. E facto é que a experimentação deste disco foi esboçada com esse fim, mas para uma certa quantidade de pessoas. E nós agradecemos, e a eternidade também. Ambos ficámos bem servidos.

Nota final: 10/10

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